Robert Bloch (1917-1994) não era um escritor desconhecido, ao contrário, era um nome conhecido no período do cinema fantástico, escrevendo vários filmes e episódios para séries de TV de horror e ficção científica como « Alfred Hitchcock Presents » (1955), « Thriller » (1960), « Star Trek » (1966), « Night Gallery » (1970), « The Black Room Mystery »(1981) e « Tales from the Darkside » (1984), «The Deadly Bees » (1966), «Torture Garden » (1967), «The House That Dripped Blood » (1970), « Asylum » (1972) et les productions télévisuelles « The Cat Creature » (1973) e « The Dead Don't Die » (1975).
Apesar de fugir à todos os padrões cinematográficos, “Psicose” recebeu quatro indicações ao "Oscar", nas categorias de "Melhor Diretor", "Melhor Atriz Coadjuvante" (para Janet Leigh), "Melhor Fotografia" e "Melhor Direção de Arte", mas não ganhou nenhuma das estatuetas para as quais teve indicação. No entanto, se “Psicose” não teve o reconhecimento do tapete vermelho, teve o reconhecimento do público, o que foi demonstrado nas bilheterias, foi investido um montante de 800 mil dólares e o flime faturou 50 milhões de dólares nas bilheterias do mundo inteiro, mas não parou aí, após o clássico Psicose,foram realizados "Psicose II, Psicose III e Psicose IV: A Revelação.
A história é simples, então que faz de “Psicose” um filme surpreendente?
Na verdade, não fica claro se o roubo por Marion aconteceu realmente para que a garota realizasse o sonho de ser a Sra Loomis, ou por um outro motivo que talvez tenha sido um motivo-meio que tenha a encorajado a realizar o roubo pelo outro motivo já explicado. Ao chegar ao escritório,após um encontro com o namorado no horário de almoço, ela queixa-se de dor de cabeça e uma amiga [detalhe que a atriz que faz a amiga é a filha de Hitchcock] oferece uma aspirina já que a moça queixou-se de dor de cabeça, nesse momento o milhonário texano a assedia, percebe- se que a personagem sente uma certa revolta ao ser assediada pelo milhonário A questão que se coloca é a seguinte: ela é vítima, ou apenas uma ladra que quer se dar bem na vida?
Marion Crane (Janet Leigh) trabalha em um escritório imobiliário em Phoenix, Arizona, e acaba de fechar um negócio no valor de US$ 40 mil, quantia que para a época era extremamente significativa. E seguindo o sonho clássico das mulheres dos anos 60, em que o casamento era o objetivo de realização pessoal da maioria, ela não fuigiu à regra e também queria realizar tal sonho, queria casar-se com o namorado Sam Loomis (John Gavin),no entanto tal sonho não tinha sido concretizado até aquele momento em virtude das condições financeiras do casal, apesar dele possuir uma pequena loja de ferragens.
Marion com a responsabilidade de depositar o valor em dinheiro, opta por fugir rumo ao encontro do namorado, que não sabia de nada. Depois de fugir horas a fio juntamente com o espectador que a acompanha, de maneira tensa, passando por uma situação em que pode ser desmascarada, na qual um policial pede seus documentos na estrada, a personagem “principal” resolve descansar, parando no meio do caminho na pequena cidade de Fairvale, onde se hospeda no "Bates Motel”.
Já no início do filme, a música é um elemento importante na criação do mecanismo do medo para o espectador, criando um clima de perigo, além de outros elementos como a chuva torrencial, a estrada escura, o pára-brisa que possui movimentos ritimados como se acompanhasse a música, a claridade do letreiro luminoso do hotel ofuscando a vista de Marion...E esses elementos que se encontra ao redor do hotel escolhido por ela, já nos conduz a imaginar que há bem mais do que o roubo de uma firma por uma de suas funcionárias. O medo é latente para personagem preocupada com suas ações recentes, mas para o espectador, ele está sendo plantado e cresce pouco a pouco.
E esse opção de descansar nesse estabelecimento desencadeia a trama, porque ao se hospedar, Marion conhece o dono do hotel, Norman Bates (Anthony Perkins) detentor de uma aparência inofensiva que depois revela ter uma personalidade psicótica envolvido por uma relação doentia com sua mãe. E já nesse momento da chegada, a personagem ouve uma discussão entre ele e a mãe.
Após o incidente, os personagens inciciam um jogo de sedução: ela se encontra consciente do interesse que tem pelo rapaz, mas ele tenta esconder o interesse que teve pela moça. Mesmo assim os dois jantam juntos, em uma sala repleta de aves empalhadas, e Norman explica que esse é seu hobby que ele tem prazer em lidar com esses animais que se encontram em uma situação de passividade.Como em todo jogo de sedução, eles conversam sobre si mesmos, expondo-se um para outro. Em virtude da conversa, Marion pensa no que fez, no roubo e resolve que no dia seguinte irá voltar e devolver o dinheiro roubado, ou seja, a “pseudo-heroína” se redime, mas na verdade não haverá tempo para que essas ações sejam concretizadas.
No jantar entre os personagens, muitos aspectos do psicológico de Norman já são mostrados a um espectador mais atento. Ele possui muita dificuldade de lidar com os desejos. Desde o instante em que conhece Marion, ele a deseja, mas é um desejo recalcado e platônico uma vez que ao mesmo tempo sente que está traindo sua mãe, e assim a única possibilidade de chegar mais próximo da concretização desses desejos é espioná-la, com o rosto colado na parede, observando-a por um buraco na parede do escritório onde jantaram que dá para o quart dela, ele é apenas um voyer já que não pode concretizar efetivamente tais desejos, porque a culpa não permite.
A cena seguinte é a do assassinato da personagem. A personagem está de costas, deixa o robe cair na privada, mostra pouco do corpo, a água começa a cair sobre o corpo da moça, que em um momento faz movimentos bruscos com o sabonete como se quisesse se limpar, como se estivesse suja por causa do roubo. De costas para a porta, apenas nós, os telespectadores, através da cortina transparente conseguimos ver que a porta se abre e que um vulto adentra abrindo a cortina e levanta uma faca. Nesse momento, o espectador que era cumplice da personagem, se torna cumplice do assassino. Marion vira, grita, a música começa e a faca faz movimentos de subida-descida sobre o corpo dela. O vulto desaparece com a mesma velocidade com que aparecera, mas a cena é de Marion, que agoniza, deslizando pela parede e com o sangue escorrendo pelos pés até o ralo. Ainda consegue apoiar-se na cortida, que se rasga, e só visualisamos o olho aberto do cadáver de Marion. Ela é assassinada após o jantar, após sua redenção, mas quem é o/a assassino/a?
Sobre tal cena, do banheiro, na entrevista que o “mestre do suspense” concedeu a François Truffaut diz: “A filmagem das punhaladas em Janet Leigh durou sete dias e houve setenta posições de câmera para 45 segundos de filme. Para esta cena, foi fabricado um maravilhoso torso artificial com o sague que devia jorrar sob a faca, mas não me servi dele. Preferi utilizar uma moça, um modelo nu, que dublava a atriz. De Janet, só se vê as mãos, os ombos e a cabeça, todo o resto é com o modelo. Naturalmente a faca jamais toca o corpo, tudo é feito na montagem. Jamais se vê uma parte tabu do corpo da mulher, pois filmamos certos planos em câmera lenta para evitar ter os seios na imagem. Os planos filmados em câmera lenta não foram acelerados depois, pois sua inserção na montagem dá a impressão de velocidade normal”.
Assim, com a morte da personagem que considerávamos a principal no primeiro de 1/3 do filme, percebemos que o filme não trata da história de Mariom. No início do filme, o espectador pensa que a protagonista principal é Marion, mas após sua morte, o filme possui uma reviravolta e o verdadeiro protagonista não é a mocinha que morre, mas o vilão. Essa morte de maneira violenta, causa um impacto ao espectador que percebe que a trama sofreu uma mudança, ou seja, o mistério não começa quando a garota cometeu o assalto e fugiu, mas começa quando a garota, que cometeu um assalto e fugiu, morreu. E à sua procura estão sua irmã Lila Crane (Vera Miles), o namorado de Marion, Sam, e o detetive particular Milton Arbogast (Martin Balsam), contratado para investigar o caso antes que a polícia se envolvesse no caso, mas mal sabem que Marion já está morta, na consagrada "cena do chuveiro". Mas ela não é a única vítima, o detetive se torna outra vítima em uma cena também celebre desse filme intitulada a "sequência da escadaria".
O filme apresenta poucas cenas de violêcia, uma vez que seu roteiro tem por prioridade o suspense psicológico que na época causou grande repercussão no público em choque, além de manifestações de protesto por parte dos moralistas americanos como boicotes organizados contra o filme. Essa cena em que Marion é assassinada, surpreendida pelo psicopata no banheiro, enquanto tomava um banho de chuveiro se tornou uma das mais famosas e conhecidades cenas de assassinato da história do cinema, até mesmo quem nunca assistiu o filme, conhece a cena, tal sua populariadade. Como já mencionado, outra cena clássica de assinato no filme, mas menos famosa que a primeira é o do detetive Arbogast na escadaria da mansão onde morava Norman Bates, em que Hitchcock filma apenas o rosto assustado e ensaguentado do ator.
Outro aspecto importantíssimo desse filme na construção do medo é a trilha sonora, que fico a cargo de Bernard Herrmann, e é uma parte fundamental da cena do "assassinato no chuveiro" e também se consagrou como uma das mais conhecidade da história do cinema de horror e suspense, com uma sequência de acordes agudos e estridentes de violinos que se intensificam a medida que o clima de tensão, agonia e medo já existente entre assassino e vítima cresce. Herrmann foi um grande colaborador de Hitchcock, formando uma parceria não apenas em Psicose, mas em mais nove filmes.
O suspense e o medo causado pelo filme é um misto entre o uso da música forte e os efeitos da iluminação, que fazem com que a ansiedade do espectador aumente pouco a pouco enquanto o personagem não percebe que o perigo se aproxima, o espectador é cumplice do vilão, uma vez que os dados sobre o perigo são apresentados apenas ao espectador, e o personagem do filme não sabe, se encontra em total ignorância em relação aos fatos, criando a tensão sobre qual ocorrerá a reação do personagem ao descobrir. No filme, somente nós sabemos que a porta se entreabre, esperando que algo aconteça com o detetive enquanto sobe a escada. O detetive é morto pelo mesmo vulto que matou Marion, e na seguinte Norman leva a mãe nos braços até o porão o que nos sugere que quem é o assassino é a mãe de Norman.
Ao referir-se ao filme, Hitchcock diz: “Minha principal satisfação é que o filme agiu sobre o público, e essa é a coisa a que eu me agarrava muito durante a produção. Em Psicose o assunto me importa pouco, os personagens me importam pouco; o que me importa é a junção dos trechos do filme, a fotografia, a trilha sonora, e tudo aquilo que é puramente técnico, e que pode fazer o público urrar. Creio que é uma grande satisfação para nós utilizar a arte cinematográfica para criar uma emoção de massa, e com Psicose cumpri isso. Não foi uma grande interpretação que transtornou o público, não foi um romance muito apreciado que o cativou, o que o comoveu foi o filme puro”.
Líla, irmã de Marion, é quem encontra o cadáver do detetive e desvenda o místério. Ela sobe até os quartos, e abre a porta do quarto da senhora Bates, mas vê o lugar vazio e sem indícios de que estivesse sendo usado, pelo contrário, com indícios de que não é usado há muitos anos. Ela abre o closet, há roupas, na cômoda há um porta joias, se assusta com o reflexo no espelho, mesmo assim decide ir adiante, então sobe outra escada que conduz ao quarto de Norman que ainda se encontra com uma decoração infantil. Durante a invstigação pelo quarto dele, ela encontra livros sobre taxidermia, que estuda a anatomia das espécies e um disco com com a Heróica de Bethoveen na vitrola. Para ela, nenhum desses objetos, nem mesmo a decoração é suspeito, então sai do quarto, e desce, enquanto isso, o espectador sabe que Norman se aproxima da casa.
Lila escodida embaixo da escada, vê Norman chegando e indo para o quarto da mãe, enquanto ela vai para o porão onde encontra uma mulher sentada, de costas, a mão de Lila toca os ombros da mulher, virando-a para sua direção. E esse instante, a expressão dela é de pavor e grita. A Sra Bates está morta e embalsamada. O mesmo vulto que matara Marion e o detetive adentra pela porta com uma faca em posição de ataque, mas o namorado da irmã de Lila surge e desmascara o autor dos crimes.
No decorrer das investigações sobre o desaparecimento de Marion, o espectador toma consciência de que Norman é doente, ele é obcecado pela figura da mãe, ou seja, ele possui o que Freud denominou “complexo de Édipo”. Ele possui sua sexualidade reprimida pela figura materna. E na verdade o autor do crime não é sua mãe, mas ele travestido dela, que já está morta, é apenas um corpo empalhado como os seus pássaros. A voz da mãe, na verdade é a voz de Norman que desenvolve uma dupla personalidade, ele é ao mesmo tempo ele e a mãe, vive duas vidas, a dele e da sua mãe, mas na verdade não são duas, mas uma só, porque de acordo com a relação que possuiam, um precisava do outro para continuar.
Em Psicose, Hitchcock faz com que o espectador tenha uma inversão de valores. Primeiro com o roubo de Marion após o seu arrependimento e em seguida com Norman ao descobrirmos que ele é doente, e ao invés de termos ódio, o sentimento que sobressai é a pena. Ou seja, somos cumplices em todos os crimes da história e apagamos que houve um roubo, e duas mortes. Pensamos que quem cometeu tais crimes foi a mãe de Norman, então enquanto o detetive investiga, torcemos para que ele encontre o assassino, a mãe de Norman, e tememos pelo destino do filho.
Lacan retoma a visão freudiana sobre a psicose afirmando que a psicose é decorrente fundamentalmente da carência do pai, ou seja, explica no “Seminário 5” que tal carência deve ser compreendida não como a ausência física do pai, mas a carência de uma pessoa que exerça a função paterna. Para ele, é possível que o pai esteja presente quando na verdade não está.
Em outras palavras, após a morte do marido, a mãe o priva do contato com outras pessoas, tem ciúmes do filho, o toma com um amante, o único homem na sua vida desde a morte do marido e pai de Norman. Ou seja, a mãe não pode viver pelo filho, mas morre. E como fica o filho? Ele não pode viver sem a mãe, recebeu uma educação repressora, castradora e superprotetora, portanto para preencher a ausência da mãe, ele cria uma fantasia, sua psicose. E podemos observar traços dessa psicose já na conversa com Marion, na sala em que se encontravam as aves empalhadas, ao referir-se a mãe diz que a mãe é o melhor amigo de um garoto. Além da relação que ele faz entre a passividade dos pássaros empalhados com a suma mãe que também é empalhada, não só pela fantasia dele mas por agora estar submetida à sua vontade, já que quando ela estava viva, ela era voluntariosa e ele cumpria todas as vontades dela.
Psicose é extremamente freudiano.
PSICOSE (Psycho, Estados Unidos, 1960). Universal, 109 minutos, Preto & Branco
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Joseph Stefano, baseado em livro homônimo de Robert Bloch
Produção: Alfred Hitchcock
Fotografia: John L. Russell
Música: Bernard Herrmann
Edição: George Tomasini
Direção de Arte: Robert Clatworthy e Joseph Hurley
Efeitos Especiais: Clarence Champagne
Elenco: Anthony Perkins (Norman Bates), Janet Leigh (Marion Crane), Vera Miles (Lila Crane), John Gavin (Sam Loomis), Martin Balsam (Detetive Milton Arbogast), John McIntire (Xerife Al Chambers), Simon Oakland (Dr. Richmond), Vaughn Taylor (George Lowery), Frank Albertson (Tom Cassidy), Lurene Tuttle (Eliza Chambers), Patricia Hitchcock (Caroline), John Anderson (Charlie), Mort Mills (Policial rodoviário), Francis De Sales, George Eldredge, Sam Flint, Virginia Gregg, Paul