segunda-feira, 29 de novembro de 2010

"MAUS" É MAUS? NÃO, "MAUS" É ÓTEMO !!!


          Esse livro me foi recomendado por algumas pessoas, e a vontade de lê-lo era muito grande, mas há muito tempo eu tomei uma decisão, que ia conseguir sobreviver ao meu fraco por livros e só iria comprá-los quando tivesse a certeza de que teria tempo e disposição para lê-los, e foi muito estressante para mim, ter que abdicar de muitas leituras interessantes porque eu não ia conseguir ler. Nos últimos três anos estive estritamente vinculada a um mestrado que me sugou muito, me trouxe muitas preocupações, muito estresse, não só por cobranças externas, mas por uma cobrança mais rígida, minha cobrança pessoal. Enfim, desculpas a parte não justificam nada e o livro foi comprado, lido e por isso cá estou eu, disponibilizando uma parte do meu precioso tempo extremamente ocupado para escrever sobre minhas percepções. [Para aqueles que não entendem ironia, isso foi uma!!] Levei uma noite de sexta-feira para lê-lo e não me arrependo, valeu a pena.
            A temática do livro gira em torno da II Guerra Mundial, da perseguição dos judeus pelos alemães, mas tratada de uma maneira diferente de todas as outras com que eu tive contato, muito já foi dito sobre o Holocausto, mas Maus não faz com que a guerra seja o pano de fundo para uma história principal, não é um documentário NatGeo ou da History Channel, não é um artigo acadêmico, nem jornalístico, é muito mais interessante, é quadrinho. E justamente por isso se pensaria que o assunto fosse amenizado, mas não, a história continua tensa e provoca indignação.
O texto de Maus vai mais além, não é apenas um quadrinho sobre a história de uma determinada família na II Guerra, quando em 1939, no dia 24 de outubro, tropas alemãs invadem a Polônia, mas mostra o percurso que o autor do quadrinho fez para obter tais informações, de como selecionou partes da história que seriam postas no quadrinho, além da sua preocupação na escolha dos personagens, na verdade, uma antropomorfização dos personagens em que os judeus são retratados como ratos, poloneses como porcos, os alemães como gatos, os americanos como cachorros e os franceses como sapos. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que mostra os horrores da guerra em que judeus são queimados em fornos, mostra a história de Vladek, um sobrevivente, que fala de suas experiências na guerra, a relação com seu único filho, Art, que escreve a história e sua namorada não judia e por isso não aceita 100% por seu pai, apesar de convertida. Além disso, ainda há a relação do autor com sua obra, biográfica e documentária, tentando um resgate da sua identidade com base nos acontecimentos que seus pais presenciaram. E tudo isso, através de metáforas.  
Analisando algumas passagens do texto, percebe-se que as escolhas do autor para representar certos povos como determinados animais tem motivos. Esse processo metalingüístico que acompanha Maus se torna mais evidente ainda quando no livro 2, no início do capítulo 1, Art e sua namorada Françoise que não aparecera no livro 1, embora citada, conversam sobre qual animal ela quer ser, ela faz a opção pelo coelho, mas ele diz que o coelho é um animal muito dócil, o que deixa mais evidente que a escolha desses animais não foi feita de maneira aleatória, mas há um propósito, bastante inteligente e intrigante. Ao invés do coelho, ele escolhe para ela que é francesa, o sapo. Mas brinca ao sugerir colocar no quadrinho que ela é uma sapa, e portanto não judia, o que causaria um choque ao pai, e por isso recorrem ao um rato rabino que através de palavras mágicas a transforma em uma rata e assim... vivem felizes para sempre como em um conto de fadas, quando a princesa beija o sapo encantado que se transforma em um lindo príncipe, ela se transforma em uma judia. Essa parte é engraçada porque ele muda a identidade da namorada, como num passe de mágica. Mas também é problemático, ela passa todo o livro não como uma sapa, mas como uma rata, ou seja, como uma judia assim como Art e seu pai, o que nos remete a dois problemas, o preconceito e a identidade.
Mas há duas outras cenas no livro que me levam a fazer alguns questionamentos sobre essa mesma temática, a questão da identidade. A primeira ocorre antes da que supramencionei: em um dos muitos momentos de fuga para garantir sua sobrevivência os pais de Art, se disfarçam de poloneses, ou seja, usam máscaras de porcos para conseguirem ajuda e o pai dele ao contar essa situação diz “Eu estava um pouco protegido, ter casaco e botas, parecer gestapo de folga, mas Anja...dava para ver que ela era judeu. Eu estava com medo por ela”. No desenho, podemos ver ambos com as máscaras de porcos, mas só aparece o rabo de rato de Anja, interessantíssimo essa sacada, estava na cara, ou melhor, na traseira que ela não era polonesa, era judia. (p. 138).
A outra cena está relacionada ao Art, no capítulo 2 da segunda parte, ele está criando, fazendo seus quadrinhos, mas não é mais um rato, é um humano com máscara de rato, isso demonstra uma clara perda de identidade, ele não se vê mais como um judeu, e talvez isso esteja muito relacionado a perda do pai, que a pouco havia morrido. Nesse momento do texto, a morte do pai remete a uma outra passagem que também evidencia a sua busca identitária e que sem o pai ficara mais longe do que nunca das suas heranças, já que não conseguia manter diálogo quando sua mãe ainda era viva. E essa outra passagem que mencionei é quando Vladek descobre a história em quadrinhos que Art fez sobre a morte de Anja, sua mãe, e que inclusive ganhara um prémio, a história é bem forte e ele deixa bem claro que queria ter estado com eles durante a perseguição aos judeus, porque somente assim saberia o que eles viveram e se sentiria mais próximo de ambos.
Durante todo o percurso de feitura do livro, me parece que Art não quis realmente contar a história da sua família durante um período histórico importante como foi o da II Guerra Mundial, mas foi uma empreitada mais pessoal, ele quis resgatar a sua identidade, a história da sua família, conhecer melhor Anja, sua mãe, já que quando viva, ele não o fizera, e essa perda de oportunidade meio que o persegue. Ele tem uma relação complicada com o pai, mas me parece que ele não possui nem mesmo uma relação com a mãe, quer dizer, não possui nenhum, os motivos não são bem claros no livro. E essa personagem parece que ser tão rica e foi pouco explorada durante a história já que ele sabia poucas coisas ou na verdade nada da sua mãe, e talvez Vladek não quisesse expor um lado dela que não quisesse que o filho soubesse, sua tristeza, ou mais. No começo do livro, Vladek relata que ela se envolveu com comunistas, logo a pós o nascimento do primeiro filho, Ricogeu,  em uma das cenas, ela está chorando, sua mãe pergunta o porquê do choro e ela responde: “Não sei! Tenho uma boa família...um bom filho...deveria estar feliz....Mas não me importa. Eu só não quero mais viver.” Vladek não entende. No entanto, mesmo com essa aparência de fragilidade, ela conseguiu sobreviver aos horrores da guerra, e me parece que só conseguiu tal feito por causa do amor por Vladek, mas através da história de Art percebe-se que ela não continua bem, mesmo depois da guerra, ela é uma pessoa triste, ou seja, ainda é aquela ratinha atormentada que precisa questionar os sentimentos dos seus, o que leva a Art questionar porque Anja é triste se ela tem tudo. Mas no fim, com o encontro de Anja, mãe de Art e seu marido Vladek, após os horrores do campo de concentração, percebemos que eles se amam, apesar de ela ser triste e ele ser uma pessoa difícil, sim... eles se amam.
E as possibilidades de interpretação desse texto, não se findam aqui.

2 comentários:

  1. Alêeeeeeee, eu sou fã do Maus!! Que livro lindo! Concordo com vc qdo diz que o interessante da historia não é somente o ambiente da guerra, onde se desenrolam os fatos, mas a problematica da identidade de um povo (judeus) que sofreu perseguições e teve de viver em outro mundo, que não o seu...bjoooo

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  2. Dei Maus de presente pro Herculano porque há muito tempo o procurava e não achava. Quando achei, comprei. Dei de presente porque sempre roubo os presente a ele dados por mim. Adorei ler teu texto antes de lê-lo!! Beeeeeeejos

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